quarta-feira, 24 de julho de 2019

O mundo em ruínas. Olho para o lado e vejo o desespero estampado no rosto dos milhares de indivíduos que compõe o mundo comum. Uma parte mira, atônita, o nada, perdido em pensamentos ou absorto na desgastante atividade que é o não-pensar. Difícil saber como alguém se esforça para não pensar, mas é algo que me parece claro diante dos olhares aturdidos. Mas na verdade, como saber? Não sei muito bem a diferença, apenas através do olhar, dos que estão perdidos em pensamentos e os que estão perdidos em nada. O que isso importa? O esforço para não pensar é ruína. Então nos deparamos com a ruína do mundo e a ruína do que nos faz humanos, ou seja, a atividade abstrata, a reflexão, a consciência acerca do que nos rodeia. O indivíduo também está se decompondo. Matamos a comunidade. Matamos o mundo comum há tempos, e agora me parece que o individual está morto, resguardado por uma espécie de além-vida, cercado de drogas das mais diversas (pílulas e xaropes para absolutamente tudo). Cada um que me cerca está preso em seu próprio universo particular, buscando incessantemente se resguardar da vida comum dentro de sua própria privacidade. É a música no fone, o vídeo no celular, a conversa que se apaga em um minuto, os olhares que se evitam, o rosto cansado que estampa aversão. 
O que nos agrada, realmente? Além da necessidade ébria, do prazer fugaz, da alegria comprada nos finais de semana. Alguns já disseram que seria procriar. Mas, convenhamos, os índices de natalidade no mundo ocidental mostram que esse impulso pela reprodução e criação de crianças se foi. Talvez não exista mais amor pelo mundo ao ponto de querermos reproduzi-lo, pois, como amar a decomposição e o constante genocídio que esse mundo hoje representa? Alguns, de fato, proclamam amar a morte, talvez por acreditarem que esta seja apenas uma fase. Que nobre fantasia, pressupor conhecimento sobre o além, assegurar-se diariamente de afirmar existência no que me parece o vazio absoluto. Para estes, talvez a ruína seja apenas um processo que nos levará a algum lugar. Progressistas? Crentes?
Não acredito. Na verdade isso em soa quase como uma condenação. Os que hoje estão, se asseguram de levar suas vidas do jeito que podem, acreditando que precisam passar pelo hoje para que um dia possam alcançar algum tipo de plenitude (ou seus filhos, netos, bisnetos). Condenados ao sofrimento presente que garante um amanhã melhor. Isso é tão cristão que me surpreende identificar quantos ainda acreditam nessa teleologia do futuro paradisíaco.
Em tempos, a única garantia hoje é a dor. Por exemplo, ao procriar, a única coisa que você, adulto, garante à sua prole, é que haverá sofrimento. Nascemos chorando, e não é por acaso. Nem pedimos pra nascer, e depois, fazemos de tudo para não morrer. Provavelmente por que não existe um antes, nem um depois. Só o agora. Melhor sofrer aqui, onde é palpável, visível, do que se entregar ao completo desconhecido, tomado pelo infindável vazio.
O mundo em ruínas se faz na falta de crença, mas na presença dela também. Se isso é um processo que nos conduz irrefreavelmente a um fim, por que nos damos o trabalho de nos preocupar? É só aguardar. Como o mundo não apresenta nada que satisfaça, que alegre, fecharei-me no meu poder. Mas como não tenho poder algum sobre o exterior, permito me encerrar no espaço que domino - o interno - e assim, vivo meu particular de forma constante. Saio da concha apenas quando necessário, e mesmo em meio a milhões de pessoas, permaneço sozinho, com uma certa satisfação e sensação de segurança, pois aqui dentro, mando eu. Quem dera. Nem isso mais. Pois se você deixar, o pensamento reflexivo impedirá a calma proporcionada por esta suposta alienação do privado. Ao menos para mim, o conforto desta segurança interna está tão distante quanto a felicidade junto a outros. Sem o entorpecimento, o que sobra é desilusão, descrença, dúvidas sem solução. Questionamentos que me fazem perder o sono, a calma, a vontade de me mover. E quem não se move, não percebe suas amarras. A dialética de novo. Para sair da alienação, preciso me mover, e para me mover, preciso enfrentar a única certeza que tenho, que é o sentimento da dor. A reflexão é movimento, mas também é sofrimento. Mas é o modo disponível para perceber o que te trava, o que te prende. Movimento é sofrimento, mas é conhecimento sobre o que te cerca, o que pode ser, de certa forma, libertador. É nesse ponto que a alienação se quebra, pois ao se mover, entendemos o que nos prendia, ao sentir dor, entendemos um pouco melhor sobre o que está em volta, sobre o que está dentro. Isso liberta. Mas liberta para que? Apenas para nos depararmos com a consciência sobre a ruína do mundo. Então, a esperança nasce, é prospectada um futuro que não existe. E talvez nunca exista para você, pois vivemos em uma corrida contra o tempo, contra a inevitável morte, que é nossa própria ruína. E aí acaba a esperança. E permite-se a criação de um ciclo.
No final, acho que estamos condenados mesmo. Um passado que se faz em um mero instante, difícil de ser congelado o suficiente para que possamos lembrar. Um futuro que não chega, pois ele nunca de fato se mostra. O futuro nada mais é que o presente de amanhã. E o presente, não é só um instante entre o passado e o futuro? Relembrar para permanecer o que somos, a memória que nos constitui, e planejar para para permanecer vivos, a racionalização que nos faz humanos. Isso tudo em meio a um mundo em ruínas, em meio aos indivíduos que se alienam, cada um a seu modo, e uns poucos que sofrem constantemente por sentir o tamanho da nossa incapacidade, de nossa pequenez. Sinto a cada segundo a falta de sentido na vida, na morte, no mundo, no ser e no não-ser.
Sinceramente, a vida é desafio. Nos desafia a continuar respirando, mesmo que não haja sentido algum, e que a única garantia seja sofrer. No final, eu invejo os que tem esperança, os crentes. Ao menos a fantasia serve para mitificar a vida, para dar algum senso de importância à própria existência.
Para mim, o que sobra é esperar pelo nada que voa em minha direção. E até lá, refletir sobre essa coisas sem sentido, a ver se nasce algo da ruína. Mas sem nada esperar.